A necessidade das Duas Naturezas de Cristo

A necessidade das Duas Naturezas de Cristo e Sua Unipersonalidade
A realidade das duas naturezas de Cristo é bem firmada na Bíblia. Ele é plenamente homem e plenamente Deus. Por natureza, entendemos os elementos essenciais para que uma coisa seja o que é (a concreta substância de uma espécie); dessa forma, quando falamos em natureza humana, referimo-nos a um corpo mortal e uma alma (= espírito) imortal, os quais a constituem.

Estudemos agora algumas questões levantadas na história, ainda debatidas, que devem despertar nosso interesse. Eis algumas:
1.
Por que era necessário que o Redentor fosse Deus?
2.
Por que era necessário que ele fosse humano?
3.
Qual a relação existente entre as duas naturezas de Cristo?
Essas questões não são vã especulação. O objetivo é conhecer melhor o Senhor Jesus Cristo (2Pe 3: 18). É necessário entender, antes de tudo, que esse assunto tem seus mistérios, os quais pertencem a Deus. Todavia, é importante notar que a Bíblia apresenta a realidade da encarnação. Por isso, temos o dever de estudá-la, visto que o que Deus revelou em sua Palavra pertence a nós, para estudo e prática (Dt 29:29). Atentemos para a recomendação de Agostinho: "Ignoremos de boa mente aquilo que Deus não quis que soubéssemos".
[1] Em suma, resumindo nossa postura: devemos nos limitar à Palavra, para que não façamos afirmações que a Bíblia desconhece.
A necessidade da divindade
Resumidamente, a divindade do Redentor era necessária para:
1. Cumprir perfeitamente a lei. É impossível a qualquer homem cumprir totalmente a lei de Deus (Rm 7:14-25).
2. Revelar Deus e sua salvação aos homens. Em Cristo conhecemos o Pai e temos a salvação eterna (Mt 11:27;Jo 1:18; 14:11-18/ 1 Co 2:9-11).
3. Derrotar definitivamente Satanás, tirando de seu domínio os pecadores escravizados (Hb 2:14-15; Jo 12:31; 16:111Jo 14:30).
4. Suportar o peso da culpa do pecado de seu povo, bem como a ira de Deus que cairia sobre ele como representante dos eleitos, libertando, assim, os seus da maldição decorrente do não comprimento da lei (Is 53:1-12; Mt 27:46; 013:10-13).
5. Constituir um caminho perfeito e imaculado, conduzindo o homem a Deus. Essa obra nenhum dos filhos de Adão poderia fazer, nem mesmo um anjo (Jo. 14:6; lTm 2:5; lPe 3:18).
6. Apresentar-se como sacrifício perfeito e aplicasse de forma eterna seus méritos ao seu povo eleito (Hb 7:3,24-28; 9:24-25).
A necessidade da humanidade

Sumariando, a humanidade de Cristo era necessária para:
1. Exemplificar a perfeita humanidade aos discípulos (Mt 11 :29; Jo 13:13-15; Rm 8:29; Fp 2:5-8; Hb 12:2-4; lPe 2:21; 1]02:6).
2. Cumprir o propósito de Deus para o homem em relação à sua criação. O homem, ao pecar, perdeu o domínio sobre a criação; Jesus Cristo demonstra em sua vida o domínio sobre ela (Ef 1 :22; Hb 2:8-9).
3. Representar genuinamente seu povo como o segundo Adão, por meio de quem Deus trata com os eleitos, tornando-se o único mediador entre Deus e os homens (Rm 5:15-19; lCo 15:21-23, 46-49; lTm 2:5). Se Jesus veio salvar os homens, teria de se tornar homem, não anjo.
4. Estar sob a Lei, a fim de poder cumpri-Ia pelo seu povo (Gl 4:4-5).
5. Arcar moral, física e espiritualmente com as conseqüências do pecado de seu povo. O pecado trouxe graves prejuízos sobre essas três áreas. Ele tinha de ser homem sem pecado para que pudesse apresentar-se a si mesmo como oferta santa e imaculada (Hb 7:26-27; 9:14) e morrer pelos pecadores eleitos, visto que somente a carne pode morrer (IPe 1:18-20).
6. Para simpatizar com os seus, já que estaria sujeito às mesmas tentações (Hb 2:16-18; 4:15-16).
7. "Para ser o padrão de nosso corpo redimido."
[2] A ressurreição de Cristo revela o padrão do nosso corpo redimido para todo
o sempre (ICo 15:21-23; 42-44; Cll:18).
A necessidade das duas naturezas numa só pessoa
Era necessário que Jesus fosse homem para que levasse sobre si a culpa do pecado, cumprindo o aspecto condenatório da lei. Ao mesmo tempo, era necessário que fosse Deus, para poder cumpri-Ia, suportando a justa ira de Deus, conferindo um valor eterno ao seu sacrifício (Hb 9:23-28). João Calvino escreveu:
“Visto, então, que Deus por Si só não poderia provar a morte, e que o homem por si só não poderia vencê-Ia, Ele tomou sobre Si a natureza humana em união com a natureza divina, para que sujeitasse a fraqueza daquela a uma morte expiatória, e que pudesse, pelo poder da natureza divina, entrar em luta com a morte e ganhar para nós a vitória sobre ela.”
[3]
A Unipersonalidade de Cristo
A visão dos escritores do Novo Testamento
Os escritores do Novo Testamento em nenhum momento demonstraram preocupação com as implicações metafísicas (transcendentes) concernentes à pessoa de Cristo. Quando falam de Jesus, fazem-no preocupados em demonstrar que a divindade e a humanidade dele são verdades que se constituem em condição básica e essencial para a obra expiatória que ele efetuou (Rm 8:3; Fp 2:6-11; cf. tb. Jo 1: 18; Cll:13-22; Hb 1 e 2; 4:4-5:10; 7:1-10:18; lJo 1:1-2:2).
Todavia, já na metade do primeiro século da era cristã, surgiram alguns homens dispostos a negar a verdadeira humanidade de Cristo, contra os quais João escreveu veementemente (cf. Jo 1:14; 4:1-6).
A posição bíblico-reformada
Dois concílios fundamentais definiram a questão das duas naturezas de Cristo: o de Nicéia, reunido em 325, e o de Calcedônia - o mais importante -, reunido de 8 a 31 de outubro de 451, com a presença de mais de 500 bispos e outros delegados. Calcedônia ratificou o credo de Nicéia e o de Constantinopla (381). O objetivo era estabelecer a unidade teológica na Igreja. Rejeitou-se o nestorianismo (duas pessoas e duas naturezas) e o eutiquianismo (uma pessoa e uma natureza), afirmando que Jesus é uma pessoa, sendo verdadeiro Deus e verdadeiro homem (uma pessoa e duas naturezas). "... Calcedônia pronunciou-se não só contra a separação como contra a fusão"
[4] das duas naturezas de Cristo. Todavia, a noção de mistério esteve presente nessa confissão, pois não se tentou explicar o que as Escrituras não esclareciam.
Berkhof (1873-1957) resume as "mais importantes implicações" da declaração teológica de Calcedônia:
[5]
1. As propriedades de ambas as naturezas podem ser atribuídas a uma só pessoa, e.g., onisciência e conhecimento limitado.
2. Os sofrimentos do Deus-homem podem ser reputados como real e verdadeiramente infinitos, ao mesmo tempo que a natureza divina não é passível de sofrimento.
3. É a divindade, e não a humanidade, que constitui a raiz e a base da personalidade de Cristo.
4. O Logos não se uniu a um indivíduo distinto, mas à natureza humana. Não houve primeiro um homem já existente com quem a segunda pessoa da Deidade se teria associado. A união foi efetuada com a substância da humanidade no ventre da virgem.
Um decreto ou uma declaração teológica, por mais relevante que seja, não põe fim imediatamente a um sistema. A ortodoxia, por sua vez, não é criada através de pronunciamentos oficiais, embora saibamos que sejam necessários e relevantes para nortear a Igreja. Assim, do mesmo modo que Nicéia não colocou um ponto final na questão trinitária, Calcedônia não determinou o fim dos problemas cristológicos; as heresias permaneceram em diversas regiões, especialmente na Igreja Oriental. Contudo, Calcedônia foi decisivo na vida da Igreja, estabelecendo uma compreensão cristológica que, se não é a final, é a que pôde ser alcançada, pelo Espírito, dentro da revelação. No entanto, a Palavra é a fonte da genuína teologia; portanto, se Calcedônia estabeleceu balizas, devemos permanecer sempre atentos à Palavra de Deus, à luz da qual nós e nossa teologia seremos julgados.
Ainda que os reformadores do século XVI tenham aceitado a decisão de Calcedônia, houve uma diferença entre eles quanto a alguns detalhes que não eram de somenos importância, mas que escapam em muito ao escopo deste livro. Calvino foi o reformador que mais de perto seguiu o pronunciamento de Calcedônia.
Se é possível encontrar alguma coisa que se assemelhe ao mistério da encarnação, a comparação com o homem é sempre apropriada. O que vemos é que o ser humano é composto de duas naturezas, sendo, porém, que uma não se mistura com a outra, cada qual retendo a sua propriedade, porque a alma não é corpo, e o corpo não é alma. Claro está que o que particularmente se diz da alma não se pode convenientemente dizer do corpo, e, paralelamente, o que se diz do corpo não pode ser dito com propriedade da alma; quanto ao homem, dele não se pode dizer o que é próprio do corpo ou da alma, separadamente dele. Finalmente, as coisas que em particular são pertencentes à alma são transmitidas ao corpo, e as do corpo à alma, reciprocamente. Entretanto, a pessoa assim composta dessas duas substâncias é um só homem, e não muitos. Tal maneira de falar significa que há no homem uma natureza composta de duas unidades, e que, todavia, há diferença entre ambas. A Bíblia fala dessa forma de Jesus Cristo. Algumas vezes lhe atribui o que só pode ser reportado à humanidade; outras, o que pertence especificamente à divindade; outras ainda, o que se aplica conjuntamente às duas naturezas unidas, e não somente a uma delas. E até exprime tão diligentemente a união das duas naturezas em Cristo, que comunica a uma o que pertence à outra - maneira de falar à qual os antigos doutores davam o nome de comunicação de propriedades.
[6]
As confissões reformadas também seguiram a mesma interpretação de Calcedônia, apresentando obviamente novas contribuições que esclareciam certas questões da época.
[7] A Confissão de Westminster (1647), a mais madura confissão reformada, declara no capítulo VIII.2:
o Filho de Deus [...], sendo verdadeiro e eterno Deus, da mesma substância do Pai e igual a Ele, quando chegou o cumprimento do tempo, tomou sobre si a natureza humana com todas as suas propriedades essenciais e enfermidades comuns, contudo sem pecado, sendo concebido pelo poder do Espírito Santo no ventre da Virgem Maria, e da substância dela. As duas naturezas, inteiras, perfeitas e distintas - a Divindade e a Humanidade - foram inseparavelmente unidas em uma só pessoa, sem conversão, composição ou confusão; essa pessoa é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, porém um só Cristo, o único Mediador entre Deus e o homem.
Do mesmo modo, o Catecismo menor (1647), ao responder à pergunta "Quem é o Redentor dos eleitos de Deus?" (nO 21), afirma:
o único Redentor dos eleitos de Deus é o Senhor Jesus Cristo, que, sendo o eterno Filho de Deus, se fez homem, e assim foi e continua a ser Deus e homem em duas naturezas distintas, e uma só pessoa, para sempre.
E à pergunta "Como Cristo, sendo o Filho de Deus, se fez homem?" (n° 22),
a resposta foi:
Cristo, o Filho de Deus, fez-se homem tomando um verdadeiro corpo e uma alma racional, sendo concebido pelo poder do Espírito Santo no ventre da virgem Maria, e nascido dela, mas sem pecado.
O significado da unipersonalidade de Cristo
Com esse nome, queremos dizer que Jesus Cristo, mesmo tendo duas naturezas, possuía apenas uma personalidade, a qual reunia perfeitamente suas duas naturezas sem haver fragmentação no seu comportamento. Ele sempre agiu como Deus-homem. "O que importa é sustentar que todos e quaisquer atos de Cristo são atos da única Pessoa do Verbo encarnado: mesmo na sangrenta paixão e na morte é ilícito separar a natureza humana da Divina."
Evidências da unipersonalidade de Cristo
1. Jesus Cristo fala de si mesmo como uma única pessoa; não
havendo o intercâmbio entre um "eu" e um "tu" entre as duas
naturezas 00 17:1,4-5,22-23).
2. Os pronomes pessoais atribuídos a ele são sempre referentes a
uma pessoa.
3. Jesus é verdadeiro Deus e verdadeiro homem, não havendo preponderância do divino sobre o humano ou vice-versa. Não podemos falar biblicamente - como muitas vezes somos tentados a pensar - em Jesus agindo, pensando e falando como homem em alguns textos, e em outros como Deus. Jesus é o Verbo de Deus encarnado que vive, sofre, morre e ressuscita como tal. Ele não tem personalidade fragmentada, sendo em alguns momentos Deus, e em outros, homem. Por isso, os atributos da sua divindade, bem como de sua humanidade, são atribuídos a uma só pessoa: mãe do Senhor (Lc 1:43), nasceu o Senhor (Lc 2:11), o Filho do homem está aqui e no céu (Jo. 3:13; cf. Jo 1:18; 6:62), mataram o autor da vida (At 3:15), sangue de Deus (At 20:28), Cristo, Deus bendito (Rm 9:5), crucificaram o Senhor da glória (1 Co 2:8), o Filho foi enviado para nascer (014:4), o Filho é herdeiro de todas as coisas (Hb 1:1-2), ele é a imagem do Deus invisível (Cl1: 13-20) e em Cristo habita a plenitude da divindade (C12:8-9). (Leia também: Mt 1:21; Lc 1:31-33; Fp 2:6-11 etc.)
4 . Todos os que se referiam a Jesus Cristo faziam menção de apenas uma só pessoa (Mt 16:16; 1)04:2).
A teologia reformada subscreve estas declarações de Calvino: "A mente piedosa [...] contempla somente o Deus único e verdadeiro, nem lhe atribui o que quer que à imaginação haja acudido, mas se contenta com tê.-Lo tal qual Ele próprio Se manifesta...",
[8]
Autor: Rev. Hermisten Maia Pereira da Costa
Fonte: Fundamentos da teologia reformada, pg. 63-70

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